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HOJE ALGUMAS FRASES ME DEFINEM: Clarice Lispector "Os contos de fadas são assim. Uma manhã, a gente acorda. E diz: "Era só um conto de fadas"... Mas no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida." Antoine de Saint-Exupéry. Contando Histórias e restaurando Almas."Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." Fernando Pessoa

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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

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O que fazer para melhorar o cérebro ?




Por dentro do cérebro - Dr Paulo Niemeyer Filho / Neurocirurgião
Parte da entrevista da revista PODER, ao neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, abaixo, quando lhe foi perguntado:


O que fazer para melhorar o cérebro ?

Resposta: Vc. tem de tratar do espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida, fazer exercício. Se está deprimido, reclamando de tudo, com a auto estima baixa, a primeira coisa que acontece é a memória ir embora; 90% das queixas de falta de memória são por depressão, desencanto, desestímulo. Para o cérebro funcionar melhor, você tem de ter alegria. Acordar de manhã e ter desejo de fazer alguma coisa, ter prazer no que está fazendo e ter a auto estima no ponto.



PODER: Cabeça tem a ver com alma?


PN: Eu acredito que a alma está na cabeça. Quando um doente está com morte cerebral, você tem a impressão de que ele já está sem alma... Isso não dá para explicar, o coração está batendo, mas ele não está mais vivo. Isto comprova que os sentimentos se originam no cérebro e não no coração.


PODER: O que se pode fazer para se prevenir de doenças neurológicas?


PN: Todo adulto deve incluir no check-up uma investigação cerebral. Vou dar um exemplo: os aneurismas cerebrais têm uma mortalidade de 50% quando rompem, não importa o tratamento. Dos 50% que não morrem, 30% vão ter uma sequela grave: ficar sem falar ou ter uma paralisia. Só 20% ficam bem. Agora, se você encontra o aneurisma num checkup, antes dele sangrar, tem o risco do tratamento, que é de 2%, 3%. É uma doença muito grave, que pode ser prevenida com um check-up.



PODER: Você acha que a vida moderna atrapalha?


PN: Não, eu acho a vida moderna uma maravilha. A vida na Idade Média era um horror. As pessoas morriam de doenças que hoje são banais de ser tratadas. O sofrimento era muito maior. As pessoas morriam em casa com dor. Hoje existem remédios fortíssimos, ninguém mais tem dor.



PODER: Existe algum inimigo do bom funcionamento do cérebro?


PN: Todo exagero.Na bebida, nas drogas, na comida, no mau humor, nas reclamações da vida, nos sonhos, na arrogância,etc.O cérebro tem de ser bem tratado como o corpo. Uma coisa depende da outra.É muito difícil um cérebro muito bom num corpo muito maltratado, e vice-versa.



PODER: Qual a evolução que você imagina para a neurocirurgia?


PN: Até agora a gente trata das deformidades que a doença causa, mas acho que vamos entrar numa fase de reparação do funcionamento cerebral, cirurgia genética, que serão cirurgias com introdução de cateter, colocação de partículas de nanotecnologia, em que você vai entrar na célula, com partículas que carregam dentro delas um remédio que vai matar aquela célula doente que te faz infeliz. Daqui a 50 anos ninguém mais vai precisar abrir a cabeça.



PODER: Você acha que nós somos a última geração que vai envelhecer?


PN: Acho que vamos morrer igual, mas vamos envelhecer menos. As pessoas irão bem até morrer. É isso que a gente espera. Ninguém quer a decadência da velhice. Se você puder ir bem mentalmente ,com saúde, e bom aspecto, até o dia da morte, será uma maravilha.



PODER: Hoje a gente lida com o tempo de uma forma completamente diferente. Você acha que isso muda o funcionamento cerebral das pessoas?


PN: O cérebro vai se adaptando aos estímulos que recebe, e às necessidades. Você vê pais reclamando que os filhos não saem da internet, mas eles têm de fazer isso porque o cérebro hoje vai funcionar nessa rapidez. Ele tem de entrar nesse clique, porque senão vai ficar para trás. Isso faz parte do mundo em que a gente vive e o cérebro vai correndo atrás, se adaptando.



Poder:Você acredita em Deus?


PN: Geralmente depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, aquela adrenalina toda, quando acabamos de operar, vai até a família e diz:"Ele está salvo".Aí, a família olha pra você e diz: " Graças a Deus, doutor !!! ".

Então, a gente acredita que não fomos apenas nós,

que existe algo mais, independente de religião.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A lenda de Catira



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Foi há muitos anos atrás…
No tempo em que a mamaurama se cobria de flores e os japins fabricavam seus ninhos feitos de fibras e cipós, finos, nas grimpas da maçaranduba gigantesca…
Êle era lindo, o mais lindo de todos os jovens de sua tribo.
Era forte e valente. Ninguém com mais destreza manejava a zarabatana temível, cuja flexa certeira cortava em meio o vôo da aracuã.
Somente êle sabia o segredo que lhe ensinava brandir o tacape pesado e duríssimo, desferir a flexa sibilante e traiçoeira.. .
Nunca o inimigo branco pisou a terra de seu pai que não levasse no corpo uma picada da sua uamiri. Nunca foi vencido; todos o temiam.
E o pai já velhinho sentia-se orgulhoso do filho que devia suceder-lhe na chefia da tribo, depois que o cunaua-raú gritasse pela quarta vez no tronco da tanari.
Uma tarde, o jovem bororó aprontou a sua veloz e pequena igara e pôs-se a "descer o riacho que serpeava um pouco distante de sua oca.
A tarde era bela, e o astro príncipe do universo, numa grande e triste apoteose, ia aos poucos inundando a terra de luz e de mistério.
Uma brisa soprava ciciante e fresca pela tarde a dentro e a igara pequenina, célere, ia cortando as águas ondulantes do riacho.. .
Era muito tarde quando êle voltou.
Já o lírio da noite havia fechado as suas pétalas rosadas e macias.
Sentou-se no tronco pesado de abiurana, à frente da cabana, e ficou ali durante quase toda a noite, silencioso, taciturno, olhando as estrelas piscolejar no azul claro, lavado. ..
A mãe bororó, vendo a tristeza imensa que invadia a alma perguntou-lhe:
— Filho, que tens? andas doente? O jovem bororó estremeceu.
Ergueu o olhar sombrio para a mãe e, quase de joelhos, meigo como uma criança, assim lhe falou:



— A igara, mãe, levada pela correnteza ia descendo… descendo… quando de repente ouvi, longinquamente, uma voz maviosa que cantava acompanhada por uma música dolente, tocada talvez por algum instrumento misterioso…
E eu não pude resistir… mãe… toquei a igara para lá e a vi, mãe, sentada numa grande pedra, os cabelos negros e compridos esvoaçando ao vento, e os olhos azuis como a flor da mancava a cantar, brincando com as plumas macias da enduape, uma mulher, mãe… bonita… como eu nunca tinha visto assim… Ela abriu os braços para mim, mãe, e me chamou, mas…, quando eu já estava bem próximo, as águas começaram a ferver… parei um pouco, ela olhou para mim sorriu e atirou-se na água e desapareceu …
A mãe bororó, que ouvia em silêncio a narração do filho, ergueu os olhos úmidos de pranto e falou-lhe:
— Filho, mulher bela que viste lá é Catira, ela é da tua raça, corre nas suas veias o sangue dos bororós. Ela era a mulher mais linda da tribo de seu avô. Mas um dia entregou-se a um homem branco, e o pajé achou que ela devia ser lançada ao rio para pagar a sua grande traição. As águas do riacho, porém, não quiseram receber seu corpo criminoso; jogaram-na sobre aquela pedra, onde ficou penando até hoje. Ela canta assim para atrair os bororós incautos ao lugar onde se encontra; a primeira vez foge como fugiu de ti, mas na segunda, fica ali sentada até ver as águas revoltadas, que guardam a sua caverna, tragar o corpo daquele que se atreveu a chegar até ali. É assim, meu filho, que ela se vinga dos bororós… Não volte nunca lá, meu filho nem tão pouco olhe para os olhos dela para que não sejas dominado pelo seu brilho traiçoeiro…
A mãe bororó calou-se, beijou a testa tostada do filho e retirou-se.
Era tarde já, atrás da serrania negrescente, com suas franjas de ouro, Sepi desaparecia.
Sentado no tronco pesado de abiurana, a fronte pensativa voltada para o chão, assim Sepi, o jovem bororó, amanheceu…
Mas nesse mesmo dia, ao anoitecer aprontou a sua veloz e pequena igara — esquecido da palavra de sua mãe — rasgou as águas ondulantes — o apecuitá feito de pau vermelho — e começou a descer o riacho vagarosamente.
E foi descendo… descendo… até sumir-se na curva.
Hoje os velhos bororós dizem aos filhos a lenda de Catira a índia amaldiçoada.
— Foi Sepi o último que ali ficou…
Depois as águas se tornaram tranquilas.. . a pedra desapareceu … e nunca mais ninguém ouviu nem ninguém viu, sentada ali aquela mulher de cabelos negros e compridos esvoaçando ao vento, e de olhos azuis como a flor da mancava, a cantar… a cantar…
E os velhos bororós terminam:
E dizem que ela morreu de remorso…
Lenda dos índios bororós.


Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso.


Seleção de Regina Lacerda.


Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962






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As três velhas




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Uma viúva tinha uma filha muito bonita e religiosa que agradava a toda a gente. A viúva queria casar a filha com homem rico e para isso fazia o possível. Na esquina da rua onde moravam as duas havia uma casa de comércio afreguesada, cujo dono era solteiro e de posses. A viúva fazia as compras nessa casa e vivia estudando um meio de conseguir fazer com que o homem conhecesse e simpatizasse com sua filha.

Um dia ouviu-o dizer que só se casaria com uma moça trabalhadeira e que fiasse muito mais do que todas na cidade. A viúva comprou logo uma porção de linho, dizendo que era para a filha fiar, e que esta era a melhor fiandeira do mundo.

A moça ia todas as madrugadas à missa das almas e encontrava lá três velhas muito devotas que a cumprimentavam.

A viúva chegando a casa entregou o linho à moça, dizendo que teria de fiá-lo completamente até a manhã seguinte. A moça se valeu dos olhos, chorando, e foi sentar-se no batente da cozinha, rezando, desconsolada da vida. Estava nesse ponto quando ouviu uma voz perguntar.

— Chorando por quê, minha filha?

Levantou os olhos e viu uma das três velhinhas da missa das almas.

— E não hei de chorar? Minha mãe quer que eu fie todo esse linho e o entregue dobado amanhã de manhã...

— Não se agonie, minha filha. Se você me convidar para seu casamento e prometer que três vezes me chamará tia, em voz alta, darei uma ajuda.

A moça prometeu. A velha despediu-se e foi embora, deixando o monte de linho fiado e pronto. A viúva, quando achou a tarefa pronta, só faltou morrer de satisfeita. Correu até a loja do negociante, mostrando as habilidades da filha e pediu uma porção ainda maior de linho. O negociante espantado pelo trabalho da moça não quis receber dinheiro pela compra.

Vendo que as cousas se encaminhavam como ela desejava, a viúva voltou a dar o linho pra a filha fiar até a manhã seguinte. Novamente a moça se agoniou muito e foi chorar na cozinha. Novamente apareceu uma velha, a segunda das três, que lhe propôs ajudá-la se ela a convidasse para o seu casamento e a chamasse tia por três vezes. A moça aceitou e o linho ficou pronto num minuto.

A viúva voltou correndo à loja do homem rico, mostrando o linho fiado e gabando a filha. O negociante estava simpatizando muito com a moça que fiava tão depressa e tamanhas qualidades. A viúva voltou com uma carga de linho enorme, entregando aquela penitência à sua filha.

Aconteceu como nas outras vezes. A terceira velha, mediante convite para o casamento e chamá-la tia três vezes, fiou o linho num rápido.

Quando o negociante viu o linho fiado, pediu para conhecer a moça, conversou com ela e acabou falando a casamento. Como era de agradável presença, a moça aceitou e marcou-se o casamento. O homem mandou preparar sua casa com todos os arranjos decentes e encheu uma mesa de fusos, rocas, linhos, tudo para que a mulher se ocupasse durante o santo dia em fiar.

Depois do casamento, na hora do jantar, estavam todos reunidos e muito alegres, quando bateram palmas e entrou uma das três velhas da missa das almas. A noiva correu logo dizendo:

— Que alegria, minha tia! Entre, minha tia, sente-se aqui perto de mim, minha tia.

Assim que a velha sentou na cadeira, chegou a outra, recebida com a mesma satisfação:

— Entre minha tia! Sente-se aqui, minha tia! Vai jantar comigo, minha tia!

A terceira velha chegou também e a noiva abraçou-a logo:

— Dê cá um abraço, minha tia! Vamos sentar, minha tia! Quero apresentá-la ao meu marido, minha tia!

Foram para o jantar e o marido e convidados não tiravam os olhos de cima das três velhas que eram feias como o pecado mortal.

Depois do jantar, o marido não se conteve e perguntou por que a primeira era tão corcovada, a segunda com a boca torta e a terceira com os dedos finos e compridos como patas de aranhas. As velhinhas responderam:

— Eu fiquei corcunda de tanto fiar linho, curvada para rodar o fuso!

— Eu fiquei com a boca torta de tanto riçar os fios de linho quando fiava!

— Eu fiquei com os dedos assim de tanto puxar e remexer o linho quando fiava!

Ouvindo isso o marido mandou buscar os fusos, rocas, meadas, linhos, e tudo que servisse para fiar, e fez com que queimassem tudo, jurando a Deus que jamais sua mulher havia de ficar feia como as três tias fiandeiras por causa do encargo de fiar.

Depois, as três velhas desapareceram para sempre. O casal viveu muito feliz.

Fonte: Luís da Câmara Cascudo. Contos tradicionais do Brasil.

http://www.aletria.com.br/

O Capeta do Vilarinho - Lenda Urbana



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Venda Nova, um dos distritos de Belo Horizonte, Minas Gerais, tem sua sede localizada praticamente às margens da lagoa da Pampulha, um dos cartões postais da bela e acolhedora capital dos mineiros. Com uma população de 245.334 habitantes (126.632 mulheres e 118.702 homens), segundo o Censo Demográfico 2000, do IBGE, ela completa agora 297 anos de idade, pois segundo a tradição, teria começado a ser povoada em 1711, inicialmente como pouso de tropeiros que passavam por ali com gado e mercadorias trazidas da Bahia pelo rio São Francisco, e depois rio das Velhas, para abastecer as minas de ouro existentes na vila de Sabará.

Não faz muito tempo foram localizados documentos datados de 1781, nos quais era solicitada autorização para comércio de secos e molhados junto aos tropeiros que passavam por ali. Por outros dados históricos, de 1784, fica-se sabendo que àquela altura o lugar abrigava 2.300 habitantes, e que mais adiante, em 1787, eles pediam a construção de uma capela na região. O cronista Benvindo Lima (1910-1950), registrou a história contemporânea da capital mineira em um livro intitulado “Canteiro de Saudades”, onde ele diz que antigamente o povoado de Venda Nova era conhecido por outros nomes, como Santo Antônio dos Clementes e Santo Antônio do Barranco, dados pelos primeiros moradores. Até que certo dia um português que apareceu por lá abriu uma loja, dessas a que o povo do interior chama de venda, e nela o homem negociava de tudo, o que era pouco comum na época. O estabelecimento era bem sortido, limpo e organizado, e por isso foi ganhando fama, conquistando fregueses que vinham de longe, de todas as partes, atraídos pelas vantagens que a venda nova oferecia.

Uma das principais vias de acesso em Venda Nova é a Avenida Vilarinho que liga a região ao centro da capital mineira e ao município vizinho de Ribeirão das Neves, e na qual são realizados os desfiles comemorativos do dia 7 de setembro, presenciados por milhares de pessoas. Por lá sempre funcionaram muitas casas de dança, como forrós, gafieiras e bailes de todo tipo, aonde os jovens se encontravam para se divertir nos finais de semana. Foi numa delas (sem que ninguém saiba dizer com exatidão qual tenha sido), que num sábado de janeiro, início dos anos 90, teria acontecido uma história que acabou virando lenda. Diz-se que no fim da noite desse sábado tumultuado, quase início da madrugada de domingo, um rapaz chegou à danceteria não identificada, apreciou o ambiente por alguns minutos, e depois convidou uma das moças para dançar. Na opinião dos que o observaram com mais atenção, ele era simpático, bem apessoado, vestia boas roupas, tinha uma boina na cabeça, e o mais importante, dançava como poucos conseguiriam fazê-lo, qualquer que fosse o ritmo tocado, do samba à bossa nova, do funk ao bolero.

Aparentemente, o casal de dançarinos se completava, e por isso eles deslizavam pelo pequeno salão com uma leveza e graça que todos admiravam, uma música após outra, sem se darem conta de que o tempo corria célere, a meia-noite tinha ficado para trás, e o relógio já marcava mais de uma hora da manhã do novo dia. Foi quando, sabe-se lá por qual motivo, a boina do rapaz caiu ao chão, e ele, ao perceber o que acontecera, levou rapidamente a mão esquerda ao alto da cabeça, como se desejasse esconder alguma coisa, mas em vão, porque apesar da presteza do seu movimento, a moça pode perceber que bem no alto da fronte, meio escondidos pela farta e negra cabeleira que possuía, o moço ostentava dois chifres escuros e pontiagudos. A moça gritou apavorada, sua voz ecoou estridente pelo salão, e com isso os músicos pararam de tocar na mesma hora, os dançarinos se imobilizaram, os demais presentes emudeceram de imediato, assustados com aquele berro. Daí, todos se voltaram interrogativos para a desnorteada criatura que permanecia estática no meio da pista, olhos esbugalhados, sozinha, completamente sozinha, porque seu companheiro havia desaparecido como num passe de mágica. No ar, segundo os que se aventuraram a contar o que acontecera, pairava um leve cheiro de enxofre.

Desse momento em diante, e sem trocadilho, foi um pandemônio, porque ninguém falava coisa com coisa. Os boatos se espalharam rapidamente através dos falastrões, alguns jurando que tinham visto as patas de bode do homem enquanto ele fugia, enquanto outros afirmavam que tudo não passara de uma fraude, que na verdade fora um rapaz chamado Alex que usara uma máscara de borracha para fazer a brincadeira. A notícia se espalhou rapidamente no bairro, chegou às rádios e TVs da cidade, que imediatamente enviaram seus repórteres para cobertura do acontecido. Um deles, Mozahir Salomão, atualmente coordenador do curso de jornalismo da PUC Minas, relata em seu artigo “Tempo de crises - Tempo de sinais”, que “Como repórter da então Rádio Globo, lembro-me de pautas que o repórter até pode achar esdrúxulas, mas acaba fazendo, mesmo porque está ‘todo mundo fazendo’. Fui, prefiro dizer mandaram-me, a Venda Nova (região norte de Belo Horizonte) atrás do Capeta do Vilarinho - que segundo testemunhas era o diabo em pessoa que aparecia nos bailes da Quadra do Vilarinho... casas onde roupas se incendiavam espontaneamente”.

Até música foi feita para narrar o episódio. Uma rádio de Belo Horizonte passou a transmitir várias vezes, durante o dia, um funk em homenagem ao suposto capeta, cujo refrão repetia: só quero dançar... / só quero dançar... / só mais um pouquinho! / só quero dançar... / só quero dançar... / lá no vilarinho! O autor da melodia, segundo consta, é um humorista e radialista mineiro chamado Pascoal. Outro que se manifestou a respeito foi Lacarmélio Alfeu de Araújo (na ilustração inicial), folclórico artista de Belo Horizonte que escreveu sobre o Capeta do Vilarinho em uma das edições de sua revista Celton, nome de um super-herói sem poderes especiais, que vive em Belo Horizonte.

Se essa história é verdadeira ou mentirosa, ninguém sabe, e por isso ela não pode ser nem confirmada, nem desmentida. O fato é que a lenda do Capeta de Vilarinho permanece bem viva na memória de muita gente, dando mais força, por assim dizer, a afirmativa feita por alguém, algum dia, de que “eu não acredito em bruxas! Mas que elas existem, existem...”


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A Loira do Bonfim - Lenda Urbana



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Belo Horizonte, capital mineira, tem pouco mais de um século de existência, mas apesar disso coleciona mistérios como poucas outras cidades brasileiras conseguem fazer. Não faz muito tempo, a pesquisadora Heloísa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais, falando sobre o assunto, explicou que os relatos dessas manifestações do além servem, de alguma forma, para a população compensar as dificuldades encontradas no cotidiano. Segundo os esclarecimentos da professora, os vivos, através dos seres de outros mundos, fantasiam um meio de voltar ao passado para compensar algo do presente, ou então os utilizam para estabelecer uma ponte entre o que é natural e sobrenatural.

Uma dessas narrativas tem ligação com o cemitério do Nosso Senhor do Bonfim (ilustração), situado no bairro do mesmo nome e próximo à região central da cidade. Inaugurado em 08/02/1897, sua construção resultou de uma determinação da Comissão Construtora da Nova Capital, que proibira os sepultamentos no adro da Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem. Na época, ordenou-se a utilização de um cemitério provisório no espaço onde hoje cruzam as ruas Rio de Janeiro, Tamoios, São Paulo e Tupis, sendo o definitivo - o do Bonfim - erguido numa área além do perímetro urbano traçado pela comissão construtora (delimitado pela atual avenida do Contorno), ocupando uma área de aproximadamente 170.036 metros quadrados, num lugar denominado "Alto dos Meneses".

A lenda da “loira do Bonfim” começou por volta das décadas de 1940 e 1950, e segundo informações contemporâneas, tratava-se de uma mulher que aparecia por volta das duas horas da madrugada, sempre vestindo roupas brancas, insinuando-se junto aos boêmios que aguardavam condução no ponto de bonde existente diante de uma drogaria, no centro da cidade. Dizia que morava no Bonfim, que estava afim de um programa, e quando alguém se interessava, ela o levava para o cemitério do bairro, desaparecendo assim que chegavam àquele local. Como às vezes a criatura preferia chamar um táxi, os motoristas desses veículos de aluguel, além dos motorneiros e condutores dos bondes, passaram a não aceitar a escala de trabalho no horário noturno. Não era por medo, diziam eles, mas sim por precaução...

Existem, porém, algumas variações sobre essa história fantasmagórica: na pri-meira delas, a loira é apenas um vulto meio indefinido que aparece aos freqüentadores das regiões boêmias existentes nas imediações do bairro do Bonfim; uma segunda versão diz que ela, na verdade, não tem a intenção de seduzir qualquer homem, limitando-se a chamar um táxi e pedir ao seu motorista que a leve ao alto do Bonfim, onde desaparece dentro do cemitério tão logo o veículo pare diante de seu portão de entrada; a terceira diz que certa noite a loira procurou a delegacia policial existente no atual bairro da Lagoinha, vizinho ao do Bonfim, e pediu que um dos policiais a acompanhasse até sua casa, no que foi atendida: mas o detetive quase morreu de susto quando descobriu que o destino da moça era o cemitério. Seja como for, o fato é que, na época, os comentários sobre a misteriosa mulher apavoraram muitos moradores da capital mineira, que simplesmente deixaram de sair de casa após certa hora da noite.

O poeta Carlos Drummond de Andrade faz menção a esse mito belo-horizontino em seu poema “Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte”, incluído no livro “O Sentimento do Mundo”, cujos versos dizem:

Eu sou a Moça-Fantasma /





que espera na Rua do Chumbo /





o carro da madrugada. /





Eu sou branca e longa e fria, /





a minha carne é um suspiro /





na madrugada da serra. /





Eu sou a Moça-Fantasma. /





O meu nome era Maria, /





Maria-Que-Morreu-Antes. /





Sou a vossa namorada /





que morreu de apendicite, /





no desastre de automóvel /





ou suicidou-se na praia /





e seus cabelos ficaram /





longos na vossa lembrança. /





nunca fui deste mundo: /





Beijava, minha boca /








dizia de outros planetas /





em que os amantes se queimam /





num fogo casto e se tornam /





estrelas, sem ironia. /





Morri sem ter tido tempo /





de ser vossa, como as outras.

(...) As moças que ainda estão vivas /





(hão de morrer, ficai certos) /





têm medo que eu apareça /





e lhes puxe a perna... Engano. /





Eu fui moça, Serei moça /





deserta, per omnia saecula. /





Não quero saber de moças. /





Mas os moços me perturbam. /





Não sei como libertar-me. /





Se o fantasma não sofresse, /





se eles ainda me gostassem /





e o espiritismo consentisse, /





mas eu sei que é proibido /





vós sois carne, eu sou vapor. /





Um vapor que se dissolve /








quando o sol rompe na Serra. /





Agora estou consolada, /





disse tudo que queria, /





subirei àquela nuvem, /





serei lâmina gelada, /





cintilarei sobre os homens. /




Meu reflexo na piscina da Avenida Paraúna, /





(estrelas não se compreendem), /





ninguém o compreenderá.

Em 1998 o cineasta Ricardo Horta aproveitou o tema e produziu em Belo Horizonte um filme 16mm, colorido, com 10 minutos de duração, contando a história de um rapaz fascinado e ao mesmo tempo aterrorizado por esse mito. Por sua vez, Miguelanxo Prado (Corunha, Galiza, 1958), escritor e ilustrador galego de banda desenhada, produziu “Belo Horizonte” para a coleção Cidades Ilustradas, da editora Casa 21, obra lançada em 2003, cujo enredo trata de uma mulher loira que morava no cemitério do Bonfim, e por quem o protagonista - um espanhol enviado a Belo Horizonte por sua empresa - se encheu de amores.

Lacarmélio Alfeo de Araújo, quadrinista de rua da cidade de Belo Horizonte, tem uma história da qual participa a Loira do Bonfim.. Sua principal obra é a revista Celton - cujo personagem principal tem o mesmo nome -, produzida desde 1998. As histórias da revista têm como palco Belo Horizonte ou sua região metropolitana, e são contadas com riqueza de detalhes típicos da região. Lendas locais, como a Loira do Bonfim ou o Capeta do Vilarinho compõem os roteiros de Celton, juntamente com temas atuais. Desde 1998, o autor - que já foi até assunto do Globo Repórter - lançou 15 edições, totalizando cerca de 400 mil exemplares vendidos.

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FERNANDO KITZINGER DANNEMANN
Enviado por FERNANDO KITZINGER DANNEMANN em 08/06/2007
Alterado em 02/12/2011

Santo Agostinho


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"Não vês que somos viajantes?


E tu me perguntas: "O que é viajar?"


Eu respondo com uma palavra;


É avançar!

Experimentas isto em ti.

Que nunca te satisfaças com aquilo que és,

para que sejais um dia aquilo que ainda não és.

Avança sempre;

não fiques parado no caminho."

(Santo Agostinho)


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sobre Fadas


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Entre as mais importantes descobertas feitas, está a do grande papel desempenhado pelo mundo Celta (no qual nasceram as Fadas), no processo de fusão que se deu, através dos séculos, entre Espírito Mágico dos povos primitivos e o Espírito Racionalista que ordenou o mundo civilizado.
Os Celtas veneravam todas as sagradas manifestações da natureza e consideravam os rios e fontes lugares sagrados. A água era reverenciada como a grande guardadora da vida. Foi na água que a Figura da Fada surgiu entre os Celtas.
Não há como determinar o exato momento temporal em que as Fadas teriam nascido.
As primeiras referências às Fadas, como personagens ou figuras reais, aparecem na literatura cortesã cavaleiresca de raízes Celtas surgida na Idade Média.
Sua primeira menção documentada em textos novelescos foi em língua latina:
FATA (oráculo/ predição) derivada de Fatum (destino/fatalidade).
Nas línguas modernas temos:
Fada (português)
Fata (italiano)
Fée (francês)
Fairy (inglês)
Feen (alemão)
Hada (espanhol)
As Fadas ou damas com poderes mágicos aparecem no mundo da literatura nas novelas de cavalaria. Tornam-se conhecidas como Seres Fantásticos ou Imaginários, de grande beleza, que se apresentavam sob a forma de mulher.
Eram dotadas de virtudes e poderes sobrenaturais , interferem na vida dos homens para auxiliá-los em situações limite.
Podem ainda encarnar o Mal e apresentam-se como o avesso da imagem natural, como BRUXAS.
Vulgarmente se diz que Fada e Bruxa são formas simbólicas da eterna dualidade da mulher ou da condição feminina.
O nome Fada, vem do latim Fatum : o destino. Por essa vertente , elas descendem em linha direta das Parcas, que tecem nossa vida e interrompem sem aviso.
Elas foram as únicas divindades que sobreviveram ao Paganismo e se misturaram sem dificuldade às crenças cristãs.
Existem as Antifadas que vivem no conto eslavo, como BABA-YAGA, velha feia e corcunda , que geralmente se multiplica em três figuras exatamente iguais e mora numa cabana na floresta , que gira para todos os lados e se ergue sobre quatro pés de galinhas.
A Fada, portanto ocupa um lugar privilegiado na aventura humana. O ser humano sempre precisou de Mediadores Mágicos para a realização de seus sonhos e ideais (fadas/ talismãs/ varinhas mágicas)
Mas há também os Opositores (gigantes/ bruxas/ feiticeiros) que atrapalham ou impedem esses sonhos.
Para alguns autores as Fadas são criaturas que pertencem aos quatro reinos elementais: Ar/ Terra/ Água / Fogo.
As Fadas do Ar dividem-se em Sílfides ou Fadas da Nuvens, que são criaturas altamente desenvolvidas , que vivem nas nuvens e que evoluiram da terra, da água e do fogo, sendo Fadas de inteligência elevada.
As Fadas do Vento e das Tempestades são espíritos dotados de poderosa energia, giram por cima das florestas.
As Fada do Fogo ou Salamandras habitam a região do subsolo vulcânico.
Fadas são realmente um capítulo especial para aqueles que se dedicam aos Contos de Fadas , por isso, devem ser sempre lembradas.


http://palavrasdoimaginario.blogspot.com/

Soneto de aniversário





Vinicius de Moraes



Passem-se dias, horas, meses, anos

Amadureçam as ilusões da vida

Prossiga ela sempre dividida

Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida

Diminuam os bens, cresçam os danos

Vença o ideal de andar caminhos planos

Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura

À medida que a têmpora embranquece

E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece...

Que grande é este amor meu de criatura

Que vê envelhecer e não envelhece. (Rio, 1942)

Texto extraído da antologia "Vinicius de Moraes -

Poesia completa e prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 451.

Conheça a vida e a obra do autor em

O macaco e o moleque



Imagens Google


Iaiá Romana era o apelido porque toda a gente conhecia uma velhinha que possuía uma bela roça, onde havia além de muitas outras frutas, uma bela plantação de bananeiras.

Quando as bananeiras estavam carregadas de cachos, a velha não tinha por quem mandar tirá-las, se sorte que ficavan maduras, e eram comidas pelos passarinhos, ou apodreciam.
Um dia, apareceu-lhe na roça um macaco, que lhe disse:

– Ó tiazinha, por que é que a senhora não colhe essas bananas, que já estão maduras, e não as põe na dispensa? Se não tiver quem lhe faça esse serviço, aqui estou eu, ao seu dispor.

Romana aceitou o oferecimento. O macaco, porém, assim que se pilhou trepado nas bananeiras, começou a comer as maduras e jogar as verdes para a velha, que, desesperada, jurou vingar-se.

Desde esse dia, vivia constantemente a procurar um meio de apanhá-lo. Qual! O bicho era esperto, e ela ficava sempre lograda.

Mas, um dia, a velha lembrou-se de fazer uma figura de alcatrão, fingindo um moleque, e colocou-lhe um tabuleiro de bananas bem madurinhas no cabo, como, se as estivesse vendendo.

Poucas horas depois apareceu o macaco. Supondo que era mesmo um pretinho, pediu uma banana. O moleque ficou calado.

– Moleque, dá-me uma banana, senão levas um sopapo! gritou.

O moleque permaneceu calado, e o macaco desandou-lhe a mão, ficando com ela grudada no alcatrão.

– Moleque, larga a minha mão, senão levas outro sopapo!... repetiu o macaco.

E o moleque sempre calado.

O macaco soltou outro bofetão, e ficou com a outra mão grudada.

– Moleque! moleque! larga as minhas duas mãos, senão levas um pontapé!... berrou o mono, enfurecido.

Como é bem de ver, o moleque calado estava e calado continuava.

O macaco deu-lhe um pontapé, ficando com o pé preso.

– Moleque dos diabos, larga meu pé que te dou outro pontapé! exclamou. E o moleque calado. O macaco deu outro pontapé, e ficou com os pés presos. Aí não se conteve mais, e disse:

– Moleque dos infernos, larga os meus dois pés e as minhas mãos, senão te dou uma umbigada!

E o moleque calado.

O macaco deu-lhe uma umbigada, e ficou completamente agarrado ao alcatrão. Assim que o viu preso, Iaiá Romana apareceu, foi ao mato, cortou umas varinhas, e começou a dar-lhe com toda a força uma sova enorme, enquanto ia dizendo:

– Eu não te disse, macaco, que havias de me pagar? Toma lá agora, para não vires caçoar comigo!

O macaco tanto se debateu, que afinal conseguiu se livrar do alcatrão, e nunca mais quis graças com a velha Romana.


Conto tradicional brasileiro. Fonte: Historias da avozinha de Figueiredo Pimentel.

A raposa e o gato



Um dia, o gato encontrou a raposa no bosque e disse para si mesmo: vou cumprimentá-la. Ela é tão inteligente, tão experiente, tão respeitada por todo mundo...

E fez uma saudação amigável:

— Bom dia, querida Dona Raposa! Como tem passado? Como tem levado a vida, agora que as coisas andam tão caras?

A raposa ficou inchada de orgulho. Olhou o gato de alto a baixo e levou algum tempo para resolver se respondia ou não. Finalmente disse:

— Dobre a língua, seu patife lambedor de bigodes, seu palhaço de meiatigela, seu pilantra caçador de ratos, você não se enxerga? Quem você pensa que é? Como ousa me perguntar como eu tenho passado? Quem é você? Que é que você sabe? O que aprendeu? Que artes domina?

— Só uma — respondeu o gato, modestamente.

— E qual é, se mal pergunto?

— Quando os cachorros correm atrás de mim, consigo escapar, subindo numa árvore.

— Só isso? — disse a raposa. — Pois eu sou senhora de mil artes e além disso tenho um monte de truques que dariam para encher um baú... Fico de coração apertado só de pensar como você é indefeso. Venha comigo, vou lhe ensinar a escapar dos cachorros.

Justamente nesse momento, apareceu um caçador com quatro cachorros. O gato deu um pulo rápido para o tronco de uma árvore e foi lá para cima, para o meio da copa, onde as folhas e os galhos o esconderam por completo.

— Abra o baú, Dona Raposa, abra o baú! — gritava o gato.

Mas não adiantou nada. Os cachorros já tinham agarrado a raposa, que estava bem presa e imóvel nas patas deles.

— Que pena, Dona Raposa! — disse o gato. — Veja a encrenca em que a senhora está, com todas as suas mil artes. Se pelo menos soubesse subir em árvores, como eu, salvava sua vida...

Fábula. Fonte: Contos de Grimm: Animais Encantados. Editora: Nova Fronteira.


Imagens do Google

Prego


Arte de Odilon

Mudei de apartamento. Após meses abrindo caixas e sorteando relíquias, o imóvel estava pronto, limpo, encerado.

Meu mundo tinha novamente gavetas vazias para serem preenchidas. As estantes não pecavam pela superpopulação carcerária. Acabaram-se as filas duplas, o amontoado da pressa, o engarrafamento do escuro.

Não dependia dos subterrâneos dos sofás e camas para guardar a bagunça. Poderia encontrar o passado em minutos.

Reinava uma paisagem despojada, zen, iluminada. A residência fez uma cirurgia de estômago e tirou um edifício de dentro.

Mas senti falta de algo que não entendia bem o que era. Até que recebi dois quadros de um amigo.

- Os quadros? Onde estão meus quadros? Como fui me esquecer?

Não contive a saliva, babava empunhando a foice e o martelo: os quadros! Faria uma revolução comunista nos corredores. Acelerado como um poço petrolífero.

Arrumei uma escada com o vizinho e fui marcando os pontos de perfuração com um lápis. E apagando. E apagando.

As aquarelas e pinturas não combinavam com a decoração. O mesmo que enfiar um MASP numa pousada. Nenhuma 0moldura tinha lógica. Optei por forrar a casa de prateleiras e as raras frestas não deveriam ser ocupadas, voltaria ao crime da sobreposição, renegaria os pagamentos da arquiteta e da decoradora, desprezaria o minucioso aproveitamento da luz.

Por que diabos me tornei profissional do lar?

Meu caos intelectual não tinha amparo na ordem da aparência.

Vivi uma grave crise de identidade. Para me acalmar, coloquei uma bala soft de abacaxi debaixo da língua, rivotril de minha infância. Não me tranquilizei. Parti ao Plano B. Convidei a mulher e os filhos para almoçar no restaurante Copacabana. Uma macarronada ao sugo me salvaria.

Descartei o avental, o guardanapo, o escudo da guerra. A selvageria sempre me educou. Pretendia me sujar a sério, manchar a gola, espirrar molho vermelho na camisa imaculada e engomada do Gênoa.

A sujeira no almoço é uma libertação. Ao final, já estaria rindo e comendo na própria panela.

Não veio recompensa. Ao espiar os lados, lacrimejei de inveja, aquele miado de homem que desaprendeu a chorar.

As paredes do restaurante italiano estavam todas cheias de retratos, bandeiras de times, fotos de clientes, santos, dedicatórias de artistas. Uma opulência palaciana. Não existia sequer espaço para cupins.

Todo restaurante italiano é assim: uma Capela Sistina da família, um brechó de vivências.

E os quadros iam até o teto, não se restringindo a altura média dos observadores.

No centro do salão, eu media o tamanho de minha carência.

Sou igual, desejo logo viver para esnobar lembranças. Gringo só gosta de presente que pode exibir aos parentes.

Gringo não se importa com a simetria, procura o escândalo, a vastidão do grito.

Não há meio-termo. Amor sem ciúme não serve. Amizade sem boemia não serve. É tudo ou nada para já.

Eu sufoquei o sotaque. Aniquilei a cafonice com a elegância do mínimo.

Casa de gringo é ensaio para armazém, é rascunho de mercado de pulgas.

Gringo que é gringo não tem paredes, mas altar. Expõe sua história para agradecer, entende cada imagem pessoal como uma vela, uma oferenda, um obrigado.

Ele não conhece tinta branca; a brancura causa repulsa, é inexistência de Deus, ausência de inspiração, covardia.

Gringo é barroco, colorido, biográfico. Não descarta um mísero mimo. Ao receber um pôster da Dinamarca, prega na madeira. Ao receber um cartaz do filme Bambi, prega na madeira. Ele não escolhe, acumula. Coletiva seletiva para o gringo é traição; esquece apenas quem lhe virou as costas.

No fundo, italiano tem medo de morrer sozinho, sem nada para mostrar. Tem medo de morrer de fome emocional.

Gringo que é gringo come com os olhos.

Publicado pela Carta Fundamental
Fevereiro/2012 Nº. 35
São Paulo (SP), Ps. 30-32

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

fragmento


Imagem Google


O nascimento do pensamento
é igual ao nascimento de uma criança:
tudo começa com um ato de amor.
Uma semente há de ser depositada no ventre vazio.
E a semente do pensamento é o sonho.
Por isso os educadores ,
antes de serem especialistas
em ferramentas do saber,
deviam ser especialistas em amor:
intérpretes de sonhos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A Bela e a Fera


Imagem do Google

Há muitos anos, em uma terra distante, viviam um mercador e suas três filhas . A mais jovem era a mais linda e carinhosa, por isso era chamada de "BELA".
Um dia, o pai teve de viajar para longe a negócios. Reuniu as suas filhas e disse:
— Não ficarei fora por muito tempo. Quando voltar trarei presentes. O que vocês querem? - As irmãs de Bela pediram presentes caros, enquanto ela permanecia quieta.
O pai se voltou para ela, dizendo :
— E você, Bela, o que quer ganhar?
— Quero uma rosa, querido pai, porque neste país elas não crescem, respondeu Bela, abraçando-o forte. O homem partiu, conclui os seus negócios, pôs-se na estrada para
a volta. Tanta era a vontade de abraçar as filhas, que viajou por muito tempo sem descansar. Estava muito cansado e faminto, quando, a pouca distância de casa, foi surpreendido, em uma mata, por furiosa tempestade, que lhe fez perder o caminho.
Desesperado, começou a vagar em busca de uma pousada, quando, de repente, descobriu ao longe uma luz fraca. Com as forças que lhe restavam dirigiu-se para aquela última esperança.
Chegou a um magnífico palácio, o qual tinha o portão aberto e acolhedor. Bateu várias vezes, mas sem resposta. Então, decidiu entrar para esquentar-se e esperar os donos da casa. Ointerior,
realmente, era suntuoso, ricamente iluminado e mobiliado de maneira esquisita.
O velho mercador ficou defronte da lareira para enxugar-se e percebeu que havia uma mesa para uma pessoa, com comida quente e vinho delicioso. Extenuado, sentou-se e começou a devorar tudo. Atraído depois pela luz que saía de um quarto vizinho, foi para lá, encontrou uma grande sala com uma cama acolhedora, onde o homem se esticou, adormecendo logo. De manhã, acordando, encontrou vestimentas limpas e uma refeição muito farta. Repousado e satisfeito, o pai de Bela saiu do palácio, perguntando-se espantado por que não havia encontrado nenhuma pessoa. Perto do portão viu uma roseira com lindíssimas rosas e se lembrou da promessa feita a Bela. Parou e colheu a mais perfumada flor. Ouviu, então, atrás de si um rugido pavoroso e, voltando-se, viu um ser monstruoso que disse:
— É assim que pagas a minha hospitalidade, roubando as minhas rosas? Para castigar-te, sou obrigado a matar-te!
O mercador jogou-se de joelhos, suplicando-lhe para ao menos deixá-lo ir abraçar pela última vez as filhas. A fera lhe propôs, então, uma troca: dentro de uma semana devia voltar ou ele ou uma de suas filhas em seu lugar.
Apavorado e infeliz, o homem retornou para casa, jogando-se aos pés das filhas e perguntando-lhes o que devia fazer. Bela aproximou-se dele e lhe disse:
— Foi por minha causa que incorreste na ira do monstro. É justo que eu vá...
De nada valeram os protestos do pai, Bela estava decidida. Passados os sete dias, partiu para o misterioso destino. Chegada à morada do monstro, encontrou tudo como lhe havia
descrito o pai e também não conseguiu encontrar alma viva. Pôs-se então a visitar o palácio e, qual não foi a sua surpresa, quando, chegando a uma extraordinária porta, leu ali a inscrição
com caracteres dourados: "Apartamento de Bela".
Entrou e se encontrou em uma grande ala do palácio, luminosa e esplêndida. Das janelas tinha uma encantadora vista do jardim. Na hora do almoço, sentiu bater e se aproximou temerosa da porta. Abriu-a com cautela e se encontrou ante de Fera. Amedrontada, retornou e fugiu através da salas. Alcançada a última, percebeu que fora seguida pelo monstro. Sentiu-se perdida e já ia implorar piedade ao terrível ser, quando este, com um grunhido gentil e suplicante lhe disse:
— Sei que tenho um aspecto horrível e me desculpo ; mas não sou mau e espero que a minha companhia, um dia, possa ser-te agradável. Para o momento, queria pedir-te, se podes, honrar-me com tua presença no jantar. Ainda apavorada, mas um pouco menos temerosa, bela consentiu e ao fim da tarde compreendeu que a fera não era assim malvada.
Passaram juntos muitas semanas e Bela cada dia se sentia afeiçoada àquele estranho ser, que sabia revelar-se muito gentil, culto e educado.
Uma tarde , a Fera levou Bela à parte e, timidamente, lhe disse:
— Desde quando estás aqui a minha vida mudou. Descobri que me apaixonei por ti. Bela, queres casar-te comigo?
A moça, pega de surpresa, não soube o que responder e, para ganhar tempo, disse:
— Para tomar uma decisão tão importante, quero pedir conselhos a meu pai que não vejo há muito tempo!
A Fera pensou um pouco, mas tanto era o amor que tinha por ela que, ao final, a deixou ir, fazendo-se prometer que após sete dias voltaria.
Quando o pai viu Bela voltar, não acreditou nos próprios olhos, pois a imaginava já devorada pelo monstro. Pulou-lhe ao pescoço e a cobriu de beijos. Depois começaram a contar-se tudo que
acontecera e os dias passaram tão velozes que Bela não percebeu que já haviam transcorridos bem mais de sete.
Uma noite, em sonhos, pensou ver a Fera morta perto da roseira. Lembrou-se da promessa e correu desesperadamente ao palácio.Perto da roseira encontrou a Fera que morria.Então, Bela a abraçou forte, dizendo:
— Oh! Eu te suplico: não morras! Acreditava ter por ti só uma grande estima, mas como sofro, percebo que te amo.
Com aquelas palavras a Fera abriu os olhos e soltou um sorriso radioso e diante de grande espanto de Bela começou a transformar-se em um esplêndido jovem, o qual a olhou comovido e
disse:
— Um malvado encantamento me havia preso naquele corpo monstruoso. Somente fazendo uma moça apaixonar-se podia vencê-lo e tu és a escolhida. Queres casar-te comigo agora?
Bela não fez repetir o pedido e a partir de então viveram felizes e apaixonados.

Conto de Fada.

França.

Nasrudin e o chá




Imagem do Google


Nasrudin palmilhava uma estrada poeirenta em companhia de um amigo, quando ambos se deram conta de que estavam com muita sede. Detiveram-se numa casa de chá e verificaram que só tinham, somados os pertences dos dois, o dinheiro suficiente para pagar um copo de leite. Disse o amigo:
— Beba a sua metade primeiro; tenho aqui um pouquinho de açúcar que juntarei à minha metade.
— Ajunte o açúcar agora, irmão, e nós dois partilharemos dele — arbitrou o mulla.
— Não, não há açúcar suficiente para adoçar o copo inteiro.
Nasrudin foi à cozinha e voltou de lá com um saleiro:
— Boas notícias, amigo. Beberei minha metade com sal; aqui há sal bastante para o copo todo.


Anedota Sufi.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Romãozinho



Imagem do Google


Filho de negro trabalhador, Romãozinho nasceu vadio e malcriado.
Tinha todos os dentes, fisionomia fechada, hábitos errantes, nenhuma bondade no coração.
Divertimento era maltratar animais e destruir plantas.
Menino absolutamente perverso.
Um meio-dia, a mãe mandou-o levar o almoço para o pai que trabalhava num roçado, distante da casa.
Romãozinho foi de má vontade.
No caminho, parou, abriu a cesta, comeu a galinha inteira, juntou os ossos, recolocou-os na toalhinha, e foi entregar ao pai.
Quando o velho deparou ossos en vez de comida, perguntou que brincadeira sem graça era aquela.
Romãozinho entendeu vingar-se da mãe, que ficara fiando algodão no alpendre da casinha:´
- É o que me deram... Minha mãe comeu a galinha com um homem que aparece lá em casa quando o senhor não está pos perto. Pegaram os ossos e disseram que trouxesse. Eu trouxe. É isso aí...
O negro meteu a enxada na terra, largou o serviço e veio correndo. Encontrou a mulher fiando, curvada, abservida na tarefa.
Dando crédito ao que lhe dissera o filho, puxou a faca e matou-a.
Morrendo, a velha amaldiçoou o filho que estava rindo:
- Não morrerás nunca. Não conhecerás o céu, nem o inferno, nem o descanso enquanto o mundo for mundo...
O marido morreu de arrependimento. Romãozinho desapareceu rindo ainda.
Faz muito tempo que este caso sucedeu em Goiás.
O moleque ainda está vivo e do mesmo tamanho;anda por todas as estradas, fazendo o que não presta; quebra telhas a pedradas, espanta animais, assombra gente, tira galinha do choco, desnorteia quem viaja, espalhando um medo sem forma e sem nome; é pequeno, preto, risão, sem ter fé nem juízo.
Homens sérios têm visto Romãozinho.
Furtou uma moça na Chapada dos Veadeiros; conversou com o coletor de Cavalcanti; virou fogo azul indo-e-vindo na estrada, perto de Porto Nacional.
Não morrerá nunca enquanto uma pessoa humana existir no mundo.
E, como levantou falso contra a própria mãe, nem mesmo no inferno haverá um lugar para ele...

Nasrudin e os convidados



Imagem do Google



Era tarde da noite, e o mulla estivera conversando com os amigos numa casa de chá. Ao saírem da casa de chá, perceberam que estavam com fome.
— Venham todos comer em minha casa — convidou Nasrudin, sem pensar nas conseqüências.
O grupo estava quase chegando à casa, quando ele achou que devia ir na frente para avisar a esposa.
— Fiquem aqui enquanto vou avisá-la — disse Nasrudin aos amigos.
Quando ele contou à esposa, ela protestou:
— Não há nada em casa! Como você se atreve a convidar toda essa gente para vir aqui?
Nasrudin subiu ao andar superior e escondeu-se.
Dali a pouco, a fome impeliu os convidados a aproximar-se da casa e a bater-lhe à porta.
A mulher de Nasrudin atendeu-os.
— O mulla não está.
— Mas se o vimos ainda agora entrar pela porta da frente! — gritaram os amigos.
Naquele momento, ela não conseguiu pensar em coisa alguma para dizer.
Ralado de ansiedade, Nasrudin, que ouvira a troca de palavras de uma janela do sobrado, inclinou-se para fora e disse:
— Eu podia ter saído pela porta dos fundos, não podia?


Conto Sufi persa.



Malasartes e os Pecados Capitais



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Estava Malasartes dormindo na sombra, com a enxada abandonada, quando outro peão chegou e disse:
- Bonito, Malasartes. Vai trabalhar não?
Malasartes mal se deu ao trabalho de abrir a boca para emitir um “Não”. O peão continuou:
- Num sabia que a preguiça é um dos sete pecados capitais.
Ao que Malasartes respondeu:
- A inveja também.
Conto tradicional brasileiro.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Eu Já Sabia




Arte de Wilfredo Lam

Teremos sempre gente nos julgando.
Os vizinhos, os parentes, os colegas de trabalho, da academia e do inglês, quem nos tirou no amigo-secreto, quem nos viu no cinema.
Chamados para opinar, vão demonstrar uma intimidade surpreendente.
Não é paranoia, todos só estão esperando que eu faça algo realmente grande para confessar que me conheciam.
E pode ser agradável e pode ser nocivo, não importa, as maçãs podres partilham a cesta com as frutas sadias, o joio e o trigo são irmãos gêmeos, a maldade e a bondade são mais parecidas entre si do que o amor e a amizade.
Diante de uma atitude boa, dirão que já sabiam que eu era sinônimo de retidão.
Diante de um fato ruim, também dirão que já sabiam que eu não prestava.
O sonho da maioria é desfraldar a faixa: “Eu já sabia, Galvão”.
O fofoqueiro deseja ser profeta, pretende dar a notícia em primeira mão seja lá qual for e como for.
Os conhecidos guardam meus antecedentes negativos e positivos numa pastinha na área de trabalho do Windows, prontos para a impressão.
Ao me tornar santo, não será complicado encontrar testemunhas dos meus milagres. Citarão coisas inacreditáveis. Quando pulei o muro de três metros da Escola Imperatriz Leopoldina aos 11 anos e fui suspenso, avisarão que nada me aconteceu porque meu corpo é protegido pelo Nosso Senhor Jesus e que a direção me castigava injustamente e não compreendia meu dom.
Ao me tornar louco, comentarão que o mesmo pulo já dava provas da possessão do demônio, que meu apelido Chuck indicava a liderança negativa na turma, que merecia expulsão da diretora.
De um lado da moeda, a santidade. De outro, a ausência de sanidade. Em ambos, a mesma efígie.
Somos influenciáveis. Há a ânsia em definir o próximo para nos poupar da encrenca de assumir as próprias ambiguidades.
Em caso de me converter num herói salvando criança de atropelamento, a opinião pública tecerá elogios de minha conduta familiar. Lembrará do amor incondicional aos filhos.
Na hipótese de atropelar alguém, o público me enxergará como uma máquina mortífera desde a infância. Desde quando andava de triciclo e amassava formigas. Puxarão os pontos da carteira de habilitação, e o zelador do meu prédio, Carlos, descreverá minhas dificuldades para tirar o carro de ré.
Teremos sempre gente nos condenando. Viver é uma execução sumária.
Certo que, um dia, termino no paredão.
Pelo menos, vou pintando os muros de meu fim. Verdes de esperança.
Mas não faltará amigo supondo que isso é ironia.

http://carpinejar.blogspot.com/
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