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HOJE ALGUMAS FRASES ME DEFINEM: Clarice Lispector "Os contos de fadas são assim. Uma manhã, a gente acorda. E diz: "Era só um conto de fadas"... Mas no fundo, não estamos sorrindo. Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade da vida." Antoine de Saint-Exupéry. Contando Histórias e restaurando Almas."Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." Fernando Pessoa

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terça-feira, 10 de novembro de 2009

O Boi Cardil

Um rei tinha um criado, em quem depositava a maior confiança, porque era o homem que
nunca em sua vida tinha dito uma mentira. Recebeu o rei um presente de boi muito formoso, a
que chamavam o boi Cardil; o rei tinha-o em tanta estimação que o mandou para uma das suas
tapadas acompanhado do criado fiei para tratar dele. Teve uma ocasião uma conversa com um
fidalgo, e falou da grande confiança que tinha na fidelidade do seu criado. O fidalgo riu-se:
– Porque te ris? – perguntou o rei.
– É porque ele é como os outros todos, que enganam os amos.
– Este não!
– Pois eu aposto a minha cabeça como ele é capaz de mentir até ao rei.
Ficou apostado. Foi o fidalgo para casa, mas não sabia como fazer cair o criado na esparrela e
andava muito triste. Uma filha nova e muito formosa, quando soube a causa da aflição do pai,
disse:
– Descanse, meu pai, que eu hei-de fazer com que ele há-de mentir por força ao rei.
O pai deu licença. Ela vestiu-se de veludo carmesim, mangas e saia curta, toda decotada, e
cabelos pelos ombros e foi passear para a tapada; até que se encontrou com o rapaz que
guardava o boi Cardil. Ela começou logo:
– Há muito tempo que trago uma paixão, e nunca te pude dizer nada.
O rapaz ficou atrapalhado e não queria acreditar naquilo, mas ela tais coisas disse e jeitinhos
deu que ele ficou pelo beiço. Quando o rapaz já estava rendido, ela exigiu-lhe que, em paga do
seu amor, matasse o boi Cardil. Ele assim fez e deu-se por bem pago todo o santíssimo dia.
A filha do fidalgo foi-se embora, e contou ao pai como o rapaz tinha matado o boi Cardil; o
fidalgo foi contá-lo ao rei, fiado em que o rapaz havia de explicar a morte do boi com alguma
mentira. O rei ficou furioso quando soube que o criado lhe tinha matado o boi Cardil, em que
punha tanta estimação. Mandou chamar o criado.
Veio o criado, e o rei fingiu que nada sabia; perguntou-lhe
– Então como vai o boi?
O criado julgou ver ali o fim da sua vida e disse:
Senhor! pernas alvas
E corpo gentil,
Matar me fizeram
Nosso boi Cardil.
O rei mandou que se explicasse melhor; o moço contou tudo. O rei ficou satisfeito por ganhar a
aposta, e disse para o fidalgo:
– Não te mando cortar a cabeça como tinhas apostado, porque te basta a desonra de tua filha.
E a ele não o castigo porque a sua fidelidade é maior do que o meu desgosto.




Conto Tradicional Português,
Teófilo Braga,
1883



"Histórias alimentam a alma, alegram o coração"

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